terça-feira, 8 de outubro de 2013

Breve História da devoção à Nossa Senhora de Nazaré

O nosso coração mariano e paraense já se enche de alegria, pois se aproxima nossa grande festa, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Se por um lado muitos são os devotos, por outro poucos destes conhecem a história desta devoção. Neste sentido, apresentaremos de modo breve os caminhos singrados até o círio tornar-se o que é hoje. 

A tradição sugere que a pequena imagem foi esculpida por São José, na presença da Virgem Maria, por isso ela foi chamada de Nazaré, já que esta era a cidade na qual a sagrada família fez morada. A imagem foi levada à Belém de Judá por um monge que fugia da perseguição romana, chegando lá entregou a imagem a São Jerônimo. Sendo perigoso mantê-la na palestina, ela foi entregue a Santo Agostinho que a enviou para um mosteiro em Mérida na Espanha. 

Três séculos depois, início do século VIII, a imagem teve que ser retirada da Espanha por causa da ocupação dos mouros, tendo sido seu novo destino Portugal, mais precisamente o monte de São Bartolomeu. Neste lugar a imagem ficou escondida por cerca de quatro séculos, quando na manhã de 14 de setembro de 1182, dom Fuas Roupinho, alcaide-mor do Castelo de Porto de Moz e amigo do rei Dom Afonso Henrique, caçando um cervo que fugia em disparada, deparou-se a um abismo. Em meio ao grande perigo que estava, clamou a intercessão da Virgem de Nazaré: “Valei-me Nossa Senhora de Nazaré!”. Após a exclamação, o cavalo volteou com violência sobre os cascos traseiros evitando a queda mortal, após o milagre obtido pela intercessão da santíssima virgem, dom Fuas mandou construir uma capela naquele mesmo lugar em honra daquela por cuja intercessão sua vida tinha sido poupada. Após o milagre, a capela tornou-se centro de peregrinação de reis e navegadores, destaca-se o navegador Vasco da Gama, que antes de sua viagem para as índias, recorreu à intercessão da virgem. 

Mudemos agora de tempo e lugar, estamos por volta de 1700 e o protagonista não é mais um nobre fidalgo português, mas um caboclo amazônico chamado Plácido José dos Santos. Este em meio a suas caminhadas pela mata, que eram certamente costumeiras, já que segundo a tradição Plácido era caçador, achou entre as pedras do igarapé Murutucu uma pequena imagem, que tratou de levar para casa. No dia seguinte para a sua surpresa a Imagem não estava onde ele havia deixado, ele então correu ao local onde a havia achado e lá estava ela, após inúmeras tentativas fracassadas de mantê-la em sua casa decidiu construir uma pequena capela naquele local. Temos aí a primeira Igreja de Nazaré, a atual, que se seguiu a outras construídas no mesmo local daquela que o caboclo Plácido edificou, foi concluída em meados do século XX. Em seu interior, enriquecido por belos mosaicos e vitrais, temos contada a história da Virgem Maria e da sua invocação sob o nome de Nazaré. 

Após o achado da imagem, a devoção popular imediatamente começou, pois lá era caminho de muitos viajantes, já que o lugar era próximo da “Estrada do Utinga”, fato que ajudou a propagar a devoção que ali se iniciava. Pouco mais de vinte anos depois, o bispo da época Dom Bartolomeu de Pilar esteve na capela atraído pela grande devoção que ali se consolidava, na ocasião, Plácido sugeriu ao bispo a construção de uma nova igreja, cuja sugestão foi prontamente aceita, sendo erguida entre 1730 e 1744. 

No ano de 1793, o governador Sousa Coutinho tendo observado o já grande número de peregrinos que se dirigiam a Igrejinha para venerar a Virgem de Nazaré, teve a ideia de organizar uma grande feira com produtos agrícolas e extrativistas para serem comercializados no período em que se costumava celebrar a festa (mês de agosto). Porém, em junho de 1793 este fica doente, condenado a não comparecer a festa, fez a promessa que se caso melhorasse, iria buscar a imagem, levá-la para a capela de seu palácio e depois voltaria com ela para a sítio de Nazaré. Graça alcançada, promessa cumprida. Temos então em 8 de setembro de 1793 o primeiro Círio de Nazaré. O termo "Círio" tem origem na palavra latina "cereus" (de cera), que significa vela grande de cera, objeto comumente usado para se pagar promessas. 

Em três de julho de 1793, o governador determina que no final de setembro de cada ano se organizasse festejos em honra a Nossa Senhora de Nazaré no largo de sua ermida, devendo a imagem na véspera ser levada a capela do palácio dos governadores (hoje Palácio Lauro Sodré) a fim de ser transferida no dia seguinte novamente para sua ermida, surge aí a primeira procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que segundo o historiador Antonio Baena, teve a seguinte configuração “devotos de ambos os sexos concertados em alas, uma de mulheres em seges, e duas de homens a cavalo, e que ele (Governador) pessoalmente se adunaria a este religioso séquito indo também a cavalo logo após o veículo com a imagem” (cf. Compendio das Eras da Província do Pará, p. 227). 

Observamos assim que o primeiro itinerário do Círio foi entre Igreja de Nazaré e Capela do Palácio dos Governadores, sendo este modificado em 1882 pelo bispo Dom Antônio de Macêdo Costa, que de acordo com o Presidente da Província, Dr. Justino Carneiro, determinou que a partida do Círio fosse da Catedral do Bispado, em Belém. Para os que não sabem, a Catedral é assim denominada pela razão de ter em seu interior a “cátedra”, cadeira de onde o bispo diocesano como pastor, guia suas ovelhas. A Igreja que hoje vemos tem a mesma localização de uma construída logo que os portugueses por aqui aportaram, a atual edificação foi inaugurada em 23 de dezembro de 1755 e seu interior foi reformado por Dom Macedo Costa no final do século XIX. 

Quanto à data, inicialmente estabelecida para final de setembro, o que não acontecia de fato, pois a procissão por vezes se realizava entre setembro, outubro e até novembro. Em 1876 um decreto fixou o último domingo de outubro para a festa. Em 1901 o então bispo dom Francisco do Rêgo Maia colocou em prática essa ordem que posteriormente foi modificada para sua data atual, segundo domingo de outubro. 

Após a imagem da Virgem Santíssima, é certamente a corda um nos maiores objetos de devoção dos fiéis. Sua origem remonta o ano de 1885, quando na hora da procissão, a baía do Guajará tinha transbordado, para que a berlinda (que era puxada por bois) pudesse avançar, tiveram a idéia de lhe passar uma grande corda em volta, pedindo aos fiéis que a puxassem, dessa forma a berlinda pôde vencer o atoleiro e assim constituiu-se a tradição de atrelar uma corda a berlinda. 

Os Carros são elementos muito significativos na procissão do Círio de Nazaré. A berlinda incontestavelmente é o carro mais importante, pois carrega a pequena imagem. Inicialmente ela não existia, pois a imagem era levada no colo pelo bispo, quando a berlinda foi incorporada a procissão esta era puxada por bois e depois pela corda. Sua função é proteger a imagem e proporcionar uma melhor visualização da mesma. Além da Berlinda, temos na romaria a presença de outros carros que foram surgindo em tempos distintos. Estes retratavam vários episódios ligados a devoção a Virgem de Nazaré, como o milagre de Dom Fuas Roupinho, que já relatamos, e o do brigue São João Batista. Há ainda os carros que retratam aspectos da fé católica como o da Santíssima Trindade e os Anjos. Além da barca dos milagres, que recolhe os objetos em cera levados pelos devotos no cumprimento de suas promessas. 

Concluo estas breves considerações com o que é, talvez, o elemento que mais nos remonta as realidades do Círio de Nazaré, os Hinos em devoção a Santíssima Virgem. Os hinos se constituem na Igreja em um dos mais importantes elementos de devoção e propagação das verdades de fé, ao ouvi-los logo nos remetemos ao que a música visa comunicar. O som de “Vós Sois o Lírio Mimoso” inevitavelmente nos remonta ao Círio, a imagem daquela pequenina escultura envolta por um mar de gente. Colocamos abaixo a estrofe de um belíssimo e antigo hino em honra a Nossa Senhora de Nazaré, façamos dele nossa afetuosa oração a mãe de Deus e nossa:

Porta do céu vós sois chamada,
Mimosa flor de Jessé,
Vós sois a nossa rainha,
Ó virgem de Nazaré! 


Estrofe do Hino Bendita Sois Maria, publicado do Jornal A Palavra, no dia 10 de outubro de 1926.

*por João Antônio Lima

REFERÊNCIAS

BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: Universidade Federal do Pará, 1969.

BRAGA, Laíses do Amparo. Duzentos anos de fé. Belém: Editora Falângola, 1992.

COELHO, Geraldo Mártires. Uma crônica do maravilhoso: legenda, tempo e memória no culto da virgem de Nazaré. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 1998.

JORNAL A PALAVRA, publicado em 10 de outubro de 1926.

RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Editora Falângola, 1985.

REVISTA CÍRIOS DE NAZARÉ. Belém: Editora Círios, 1997.

Milagre de D. Fuas Roupinho
Antiga Igreja de Nazaré, final do séc. XIX

Atual Igreja de Nazaré, início do séc. XX
Círio na década de 40

Entrada do Círio no Arraial de Nazaré, de Carlos Custódio de Azevedo, 1905

Círio de Nazaré - Déc. 40

Festejos no Arraial de Nazaré

Saída do Círio de Nazaré - Déc. 40

Saída do Círio de Nazaré - Déc. 40


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...