quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Bispos mais lonjevos

Publicamos na presente matéria uma curiosidade muito interessante, trata-se de três bispos, o primeiro o mais lonjevo de todo o mundo, o segundo o mais lonjevo que exerceu seu ministério no Brasil e o último o mais lonjevo que nasceu e exerceu seu ministério no Brasil no Brasil.

Dom Antoine Nguyen Van Thien é um bispo vietnamita nascido em 13 de março de 1906, possuindo assim 105 anos de idade, sendo o mais lonjevo bispo da Igreja Católica. Nascido em Cai Con, Thien foi ordenado sacerdote em 20 de fevereiro de 1932. Foi nomeado bispo de Vinh Long, em novembro de 1960, e recebeu a consagração episcopal em 22 de janeiro do ano seguinte. Thien renunciou nessa posição em 1968 e foi nomeado Bispo Titular de Hispellum no mesmo mês. Tornou-se o bispo mais antigo de vida da Igreja Católica em 06 de outubro de 2005, com a morte de Ettore Cunial com a idade de 99 anos.






Dom Armando Cirio OSJ (Calamandrana, 30 de março de 1916) é um sacerdote católico brasileiro, atual Arcebispo Emérito da Arquidiocese de Cascavel, Paraná. Ordenou-se sacerdote no ano de 1934, na cidade italiana de Asti, onde exerceu diversas atividades no seu apostolado, como diretor de orfanato, diretor de escola e professor diocesano. Chegou ao Brasil no ano de 1947 e atuou como vigário na cidade paulista de Botucatu e Apucarana, no Paraná. Em 28 de agosto de 1960 recebeu sua ordenação episcopal e assumiu a Diocese de Toledo, no Paraná. Em 1978 transferiu-se para a recém criada Diocese de Cascavel, da qual foi seu primeiro Bispo, e em 1979, com a elevação para Arquidiocese, seu primeiro Arcebispo.
Sua renúncia por idade deu-se em 27 de dezembro de 1995, quando foi substituído foi Dom Lúcio Ignácio Baumgaertner.

Reside na cidade que o acolheu, onde exerce funções sacerdotais na Paróquia Sâo José Operário.
Seu lema é "Ardere et illuminare" (Arder e iluminar).



Dom Jaime Luiz Coelho é um bispo católico brasileiro e Arcebispo Emérito de Maringá. Filho de João Amélio Coelho e Guilhermina Cunha Coelho, nasceu em 26 de julho de 1916 na cidade paulista de Franca. Fez o seminário menor em Campinas, cursando depois Filosofia e Teologia no Seminário Central do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Recebeu a ordenação presbiteral na Catedral de Ribeirão Preto, em 7 de dezembro de 1941. Foi vigário cooperador da Catedral, secretário geral do bispado e chanceler da Cúria diocesana. Em 1944, foi designado cura da Catedral. No dia 3 de dezembro de 1956, aos 40 anos, foi designado bispo da recém-criada diocese de Maringá-PR. A ordenação episcopal ocorreu em 20 de janeiro de 1957 na Catedral de Ribeirão Preto. Dois messes depois, Dom Jaime assumiu seu novo cargo, empossado no dia 24 de março de 1956.

Em 16 de outubro de 1979, com a criação da Província Eclesiástica e elevação de Maringá a arquidiocese, foi promovido a arcebispo metropolitano. Sua posse como arcebispo deu-se em 20 de janeiro de 1980.
Em 11 de julho de 1997, depois de 40 anos em frente a Arquidiocese de Maringá, Dom Jaime entregou o comando daquela região a Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger. Seu lema é "In Omnibus Christus" (Cristo em todos).

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Especial: Ritos Orientais

A Liturgia Melquita, atribuída a S. Marcos, fundador da Igreja de Alexandria; é em língua grega. Desapareceu debaixo da influência do patriarcado de Constantinopla. A única em vigor desde então foi a bizantina. A antiga Liturgia de S. Marcos ainda é usada sob o nome de Liturgia de S. Cirilo, traduzida para várias línguas, inclusive a arábica (Melquitas).




domingo, 25 de dezembro de 2011


MENSAGEM URBI ET ORBI
DE SUA SANTIDADE
BENTO XVI

Santo Natal, 25 de Dezembro de 2011    

 
Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro!

Cristo nasceu para nós! Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado: a todos chegue o eco deste anúncio de Belém, que a Igreja Católica faz ressoar por todos os continentes, sem olhar a fronteiras nacionais, linguísticas e culturais. O Filho de Maria Virgem nasceu para todos; é o Salvador de todos.

Numa antífona litúrgica antiga, Ele é invocado assim: «Ó Emanuel, nosso rei e legislador, esperança e salvação dos povos! Vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus». Veni ad salvandum nos! Vinde salvar-nos! Tal é o grito do homem de todo e qualquer tempo que, sozinho, se sente incapaz de superar dificuldades e perigos. Precisa de colocar a sua mão numa mão maior e mais forte, uma mão do Alto que se estenda para ele. Amados irmãos e irmãs, esta mão é Cristo, nascido em Belém da Virgem Maria. Ele é a mão que Deus estendeu à humanidade, para fazê-la sair das areias movediças do pecado e segurá-la de pé sobre a rocha, a rocha firme da sua Verdade e do seu Amor (cf. Sal 40, 3).

E é isto mesmo o que significa o nome daquele Menino (o nome que, por vontade de Deus, Lhe deram Maria e José): chama-se Jesus, que significa «Salvador» (cf. Mt 1, 21; Lc 1, 31). Ele foi enviado por Deus Pai, para nos salvar sobretudo do mal mais profundo que está radicado no homem e na história: o mal que é a separação de Deus, o orgulho presunçoso do homem fazer como lhe apetece, de fazer concorrência a Deus e substituir-se a Ele, de decidir o que é bem e o que é mal, de ser o senhor da vida e da morte (cf. Gn 3, 1-7). Este é o grande mal, o grande pecado, do qual nós, homens, não nos podemos salvar senão confiando-nos à ajuda de Deus, senão gritando por Ele: «Veni ad salvadum nos – Vinde salvar-nos!»

O próprio facto de elevarmos ao Céu esta imploração já nos coloca na justa condição, já nos coloca na verdade do que somos nós mesmos: realmente nós somos aqueles que gritaram por Deus e foram salvos (cf. Est (em grego) 10, 3f). Deus é o Salvador, nós aqueles que se encontram em perigo. Ele é o médico, nós os doentes. O facto de reconhecer isto mesmo é o primeiro passo para a salvação, para a saída do labirinto onde nós mesmos, com o nosso orgulho, nos encerramos. Levantar os olhos para o Céu, estender as mãos e implorar ajuda é o caminho de saída, contanto que haja Alguém que escute e possa vir em nosso socorro.

Jesus Cristo é a prova de que Deus escutou o nosso grito. E não só! Deus nutre por nós um amor tão forte que não pôde permanecer em Si mesmo, mas teve de sair de Si mesmo e vir ter connosco, partilhando até ao fundo a nossa condição (cf. Ex 3, 7-12). A resposta que Deus deu, em Cristo, ao grito do homem, supera infinitamente as nossas expectativas, chegando a uma solidariedade tal que não pode ser simplesmente humana, mas divina. Só o Deus que é amor e o amor que é Deus podia escolher salvar-nos através deste caminho, que é certamente o mais longo, mas é aquele que respeita a verdade d’Ele e nossa: o caminho da reconciliação, do diálogo e da colaboração.

Por isso, amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro, neste Natal de 2011, dirijamo-nos ao Menino de Belém, ao Filho da Virgem Maria e digamos: «Vinde salvar-nos»! Repitamo-lo em união espiritual com tantas pessoas que atravessam situações particularmente difíceis, fazendo-nos voz de quem a não tem.

Juntos, invoquemos o socorro divino para as populações do Nordeste da África, que padecem fome por causa das carestias, por vezes ainda agravadas por um estado persistente de insegurança. A comunidade internacional não deixe faltar a sua ajuda aos numerosos refugiados vindos daquela Região, duramente provados na sua dignidade.

O Senhor dê conforto às populações do Sudeste asiático, particularmente da Tailândia e das Filipinas, que se encontram ainda em graves situações de emergência devido às recentes inundações.

O Senhor socorra a humanidade ferida por tantos conflitos, que ainda hoje ensanguentam o Planeta. Ele, que é o Príncipe da Paz, dê paz e estabilidade à Terra onde escolheu vir ao mundo, encorajando a retoma do diálogo entre israelitas e palestinianos. Faça cessar as violências na Síria, onde já foi derramado tanto sangue. Favoreça a plena reconciliação e a estabilidade no Iraque e no Afeganistão. Dê um renovado vigor, na edificação do bem comum, a todos os componentes da sociedade nos países do Norte da África e do Médio Oriente.

O nascimento do Salvador sustente as perspectivas de diálogo e colaboração no Myanmar à procura de soluções compartilhadas. O Natal do Redentor garanta a estabilidade política nos países da região africana dos Grande Lagos e assista o empenho dos habitantes do Sudão do Sul na tutela dos direitos de todos os cidadãos.

Amados irmãos e irmãs, dirijamos o olhar para a Gruta de Belém: o Menino que contemplamos é a nossa salvação. Ele trouxe ao mundo uma mensagem universal de reconciliação e de paz. Abramos- Lhe o nosso coração, acolhamo-Lo na nossa vida. Repitamos-Lhe com confiada esperança: «Veni ad salvandum nos».

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR
HOMILIA DO SANTO PADRE BENTO XVI

Basílica Vaticana
24 de Dezembro de 2011


Amados irmãos e irmãs!

A leitura que ouvimos, tirada da Carta do Apóstolo São Paulo a Tito, começa solenemente com a palavra «apparuit», que encontramos de novo na leitura da Missa da Aurora: «apparuit – manifestou-se». Esta é uma palavra programática, escolhida pela Igreja para exprimir, resumidamente, a essência do Natal. Antes, os homens tinham falado e criado imagens humanas de Deus, das mais variadas formas; o próprio Deus falara de diversos modos aos homens (cf. Heb 1, 1: leitura da Missa do Dia). Agora, porém, aconteceu algo mais: Ele manifestou-Se, mostrou-Se, saiu da luz inacessível em que habita. Ele, em pessoa, veio para o meio de nós. Na Igreja antiga, esta era a grande alegria do Natal: Deus manifestou-Se. Já não é apenas uma ideia, nem algo que se há-de intuir a partir das palavras. Ele «manifestou-Se». Mas agora perguntamo-nos: Como Se manifestou? Ele verdadeiramente quem é? A este respeito, diz a leitura da Missa da Aurora: «Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens» (Tt 3, 4). Para os homens do tempo pré-cristão – que, vendo os horrores e as contradições do mundo, temiam que o próprio Deus não fosse totalmente bom, mas pudesse, sem dúvida, ser também cruel e arbitrário –, esta era uma verdadeira «epifania», a grande luz que se nos manifestou: Deus é pura bondade. Ainda hoje há pessoas que, não conseguindo reconhecer a Deus na fé, se interrogam se a Força última que segura e sustenta o mundo seja verdadeiramente boa, ou então se o mal não seja tão poderoso e primordial como o bem e a beleza que, por breves instantes luminosos, se nos deparam no nosso cosmos. «Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens»: eis a certeza nova e consoladora que nos é dada no Natal.

Na primeira das três leituras desta Missa de Natal, a liturgia cita um texto tirado do livro do Profeta Isaías, que descreve, de forma ainda mais concreta, a epifania que se verificou no Natal: «Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros, e dão-lhe o seguinte nome: “Conselheiro admirável! Deus valoroso! Pai para sempre! Príncipe da Paz!” O poder será engrandecido numa paz sem fim» (Is 9, 5-6). Não sabemos se o profeta, ao falar assim, tenha em mente um menino concreto nascido no seu período histórico. Mas isso parece ser impossível. Trata-se do único texto no Antigo Testamento, onde de um menino, de um ser humano, se diz: o seu nome será Deus valoroso, Pai para sempre. Estamos perante uma visão que se estende muito para além daquele momento histórico apontando para algo misterioso, colocado no futuro. Um menino, em toda a sua fragilidade, é Deus valoroso; um menino, em toda a sua indigência e dependência, é Pai para sempre. E isto «numa paz sem fim». Antes, o profeta falara duma espécie de «grande luz» e, a propósito da paz dimanada d’Ele, afirmara que o bastão do opressor, o calçado ruidoso da guerra, toda a veste manchada de sangue seriam lançados ao fogo (cf. Is 9, 1.3-4).

Deus manifestou-Se… como menino. É precisamente assim que Ele Se contrapõe a toda a violência e traz uma mensagem de paz. Neste tempo, em que o mundo está continuamente ameaçado pela violência em tantos lugares e de muitos modos, em que não cessam de reaparecer bastões do opressor e vestes manchadas de sangue, clamamos ao Senhor: Vós, o Deus forte, manifestastes-Vos como menino e mostrastes-Vos a nós como Aquele que nos ama e por meio de quem o amor há-de triunfar. Fizestes-nos compreender que, unidos convosco, devemos ser artífices de paz.  Amamos o vosso ser menino, a vossa não-violência, mas sofremos pelo facto de perdurar no mundo a violência, levando-nos a rezar assim: Demonstrai a vossa força, ó Deus. Fazei que, neste nosso tempo e neste nosso mundo, sejam queimados os bastões do opressor, as vestes manchadas de sangue e o calçado ruidoso da guerra, de tal modo que a vossa paz triunfe neste nosso mundo.

Natal é epifania: a manifestação de Deus e da sua grande luz num menino que nasceu para nós. Nascido no estábulo de Belém, não nos palácios do rei. Em 1223, quando Francisco de Assis celebrou em Greccio o Natal com um boi, um jumento e uma manjedoura cheia de feno, tornou-se visível uma nova dimensão do mistério do Natal. Francisco de Assis designou o Natal como «a festa das festas» – mais do que todas as outras solenidades – e celebrou-a com «solicitude inefável» (2 Celano, 199: Fontes Franciscanas, 787). Beijava, com grande devoção, as imagens do menino e balbuciava-lhes palavras de ternura como se faz com os meninos – refere Tomás de Celano (ibidem). Para a Igreja antiga, a festa das festas era a Páscoa: na ressurreição, Cristo arrombara as portas da morte, e assim mudou radicalmente o mundo: criara para o homem um lugar no próprio Deus. Pois bem! Francisco não mudou, nem quis mudar, esta hierarquia objectiva das festas, a estrutura interior da fé com o seu centro no mistério pascal. Mas, graças a Francisco e ao seu modo de crer, aconteceu algo de novo: ele descobriu, numa profundidade totalmente nova, a humanidade de Jesus. Este facto de Deus ser homem resultou-lhe evidente ao máximo, no momento em que o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria, foi envolvido em panos e colocado numa manjedoura. A ressurreição pressupõe a encarnação. O Filho de Deus visto como menino, como verdadeiro filho de homem: isto tocou profundamente o coração do Santo de Assis, transformando a fé em amor. «Manifestaram-se a bondade de Deus e o seu amor pelos homens»: esta frase de São Paulo adquiria assim uma profundidade totalmente nova. No menino do estábulo de Belém, pode-se, por assim dizer, tocar Deus e acarinhá-Lo. E o Ano Litúrgico ganhou assim um segundo centro numa festa que é, antes de mais nada, uma festa do coração.

Tudo isto não tem nada de sentimentalismo. É precisamente na nova experiência da realidade da humanidade de Jesus que se revela o grande mistério da fé. Francisco amava Jesus menino, porque, neste ser menino, tornou-se-lhe clara a humildade de Deus. Deus tornou-Se pobre. O seu Filho nasceu na pobreza do estábulo. No menino Jesus, Deus fez-Se dependente, necessitado do amor de pessoas humanas, reduzido à condição de pedir o seu, o nosso, amor. Hoje, o Natal tornou-se uma festa dos negócios, cujo fulgor ofuscante esconde o mistério da humildade de Deus, que nos convida à humildade e à simplicidade. Peçamos ao Senhor que nos ajude a alongar o olhar para além das fachadas lampejantes deste tempo a fim de podermos encontrar o menino no estábulo de Belém e, assim, descobrimos a autêntica alegria e a verdadeira luz.

Francisco fazia celebrar a santíssima Eucaristia, sobre a manjedoura que estava colocada entre o boi e o jumento (cf. 1 Celano, 85: Fontes, 469). Depois, sobre esta manjedoura, construiu-se um altar para que, onde outrora os animais comeram o feno, os homens pudessem agora receber, para a salvação da alma e do corpo, a carne do Cordeiro imaculado – Jesus Cristo –, como narra Celano (cf. 1 Celano, 87: Fontes, 471). Na Noite santa de Greccio, Francisco – como diácono que era – cantara, pessoalmente e com voz sonora, o Evangelho do Natal. E toda a celebração parecia uma exultação contínua de alegria, graças aos magníficos cânticos natalícios dos Frades (cf. 1 Celano, 85 e 86: Fontes, 469 e 470). Era precisamente o encontro com a humildade de Deus que se transformava em júbilo: a sua bondade gera a verdadeira festa.

Hoje, quem entra na igreja da Natividade de Jesus em Belém dá-se conta de que o portal de outrora com cinco metros e meio de altura, por onde entravam no edifício os imperadores e os califas, foi em grande parte tapado, tendo ficado apenas uma entrada com metro e meio de altura. Provavelmente isso foi feito com a intenção de proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos, mas sobretudo para evitar que se entrasse a cavalo na casa de Deus. Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus deve inclinar-se. Parece-me que nisto se encerra uma verdade mais profunda, pela qual nos queremos deixar tocar nesta noite santa: se quisermos encontrar Deus manifestado como menino, então devemos descer do cavalo da nossa razão «iluminada». Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus. Devemos seguir o caminho interior de São Francisco: o caminho rumo àquela extrema simplicidade exterior e interior que torna o coração capaz de ver. Devemos inclinar-nos, caminhar espiritualmente por assim dizer a pé, para podermos entrar pelo portal da fé e encontrar o Deus que é diverso dos nossos preconceitos e das nossas opiniões: o Deus que Se esconde na humildade dum menino acabado de nascer. Celebremos assim a liturgia desta Noite santa, renunciando a fixarmo-nos no que é material, mensurável e palpável. Deixemo-nos fazer simples por aquele Deus que Se manifesta ao coração que se tornou simples. E nesta hora rezemos também e sobretudo por todos aqueles que são obrigados a viver o Natal na pobreza, no sofrimento, na condição de emigrante, pedindo que se lhes manifeste a bondade de Deus no seu esplendor, que nos toque a todos, a eles e a nós, aquela bondade que Deus quis, com o nascimento de seu Filho no estábulo, trazer ao mundo. Amen.

© Copyright 2011 - Libreria Editrice Vaticana

Mensagem de Natal do Arcebispo de Belém


MENSAGEM DE NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO – 2011

Os meios de comunicação social divulgaram recentemente que “a origem do Universo está muito perto de ser desvendada”. Cientistas da Or­ganização Europeia para Pesquisas Nucleares (Cern) anunciaram a descoberta dos primeiros sinais da existência do bóson de Higgs, apelidado de “partícula de Deus”, por, teoricamente, conferir massa a todas as demais. Depois de tanto tempo, Deus será aposentado? E nós nos preparamos mais uma vez para o Natal! Continuamos a dizer que este é o ano de dois mil e onze, data marcada pelo nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Provavelmente, os cientistas que apelidaram as possíveis e legítimas pesquisas de partículas de Deus também vão se encontrar em torno de uma mesa para uma ceia de Natal, ainda que muitos se declarem ateus!
           
Outras notícias dão conta de possíveis planetas com condições de vida semelhantes às do planeta Terra. E se houver habitantes vivos e mesmo inteligentes ou racionais em outras partes do universo? O que sabemos por revelação de Deus, na história da salvação, com a magnífica expectativa, cultivada nos séculos pelo povo da antiga aliança, ficará comprometido? Deixará Jesus Cristo de ser o Salvador?
 
A fé cristã não se opõe ao trabalho científico e nem se abala diante de suas descobertas. Obviamente não chamará nenhuma delas de partículas de Deus ou de deuses eventuais extra-terrestres. Continuaremos sabendo, por revelação do próprio Deus, que ele é Deus todo-poderoso e que sua ação se encontra no mais ínfimo ou no mais alto de todas as forças da natureza! Mais ainda, tendo-nos criado por amor, enviou seu Filho unigênito, que veio entre nós, nascido de uma mulher. Veio entre os pobres e simples, assumiu nossa vida, morreu e ressuscitou – bendita fé que suscita esperança! – prometeu e enviou o Espírito Santo e um dia há de voltar em sua glória. O eterno veio habitar entre nós! A lição do presépio de Belém continuará atraindo e provocando a liberdade humana a se inclinar diante do mistério, que não quer se impor por provas científicas, mas se oferece amorosamente, para que a humanidade encontre seu sentido de vida. Ele continuará percorrrendo nossas estradas, simplesmente amor, do tamanho da eternidade!
 
Uma das orações que a Igreja põe em nossos lábios no Natal dá conta de que Deus criou admiravelmente o ser humano e mais admiravelmente restabeleceu a sua dignidade. A ele pedimos participar da divindade de seu Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade. Na mesma comemoração do Natal cristão, pedimos que, inundados pela nova luz do Verbo Encarnado, resplandeça em nossas obras o que pela fé brilha em nossos corações. A infinita condescendência de Deus não deu apenas um “chute inicial” na grande partida da criação, mas se encolve com aquilo que é nosso, até porque a ele pertencemos e para ele caminhamos! Seu amor se fez história, participou de todas as vicissitudes humanas, teve paciência para acompanhar um povo de cabeça dura (Cf. Ex 34, 9). Ele preparou com carinho a plenitude dos tempos, que desceu do céu, não numa nave envolvida em esplendores e raios, mas na simplicidade de uma família, tão humana quanto extraordinária!
 
O Natal é acontecimento que suscita e exige participação! Acorramos a Belém com a aparente ingenuidade dos pastores que cuidavam de rebanhos e com com a sadia inquietação dos sábios ou magos de chegaram de longe, pesquisando o movimento das estrelas! Estes eram “cientistas” daquele tempo e os rastros da ação de Deus não os deixaram indiferentes. Vamos a Belém com as muitas crises pessoais, ou levemos as crises políticas ou econômicas do tempo em que vivemos, tão necessitado da gratuidade da “Casa do Pão”. Deixemos que sua paz tão desarmada converta os corações violentos de nossas encruzilhadas. Sua presença aproxime os inimigos, abra sorrisos nos rostos raivosos, ensine a valorizar os que nos são diferentes ou contrários!
 
A nós cabe a tarefa de contribuir para que ninguém tenha medo de Jesus Cristo. Sejamos votos vivos de feliz Natal para todos, abrindo espaço para que Jesus Cristo entre em todas as casas e em todos os corações. Sabendo amar a todos, não teremos medo de qualquer situação humana, por mais desafiadora que seja. Este é o Natal Cristão, de Jesus Cristo acolhido, amado e seguido! Feliz, verdadeiro e Santo Natal do ano de dois mil e onze do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo!
 
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém

(Ilustração: Giotto di Bondone entre 1302 e 1306, Capela degli Scrovegni, Pádua-Itália)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Kalendas Natalina

A Santa Missa da Noite de Natal pode ser precedida por um breve canto denominado Kalendas. Um texto de beleza litúrgica admirável que contém o anúncio do Natal do Senhor sob o aspecto cronológico, no qual são elencados os principais momentos históricos da Salvação. O Kalendas pode ser considerado então uma espécie de “Proclamação do Natal”, e apesar de apresentar algumas similaridades com o Exultet Pascal, não tem seu uso obrigatório na Liturgia como a Proclamação da Páscoa na Celebração da Vigília Pascal. A Kalendas constitui-se, portanto, um canto natalino de tradição litúrgica antiqüíssima, perfeita opção para se colocar em prática atualmente em nossas celebrações natalinas. 

Anteriormente, nas celebrações presididas pelo Papa João Paulo II, o Kalendas era cantado no início da Missa, logo após a saudação inicial, omitindo o ato penitencial. Atualmente, nas Missas de Natal celebradas por Bento XVI, a Kalendas está sendo entoado momentos antes da Celebração, o que também é oportuno, como ressalta Mons. Guido Marini, Mestres das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice: “o martirológio romano prevê o canto da Kalenda no dia da vigília de Natal ao término das Laudes ou de uma hora menor da Liturgia das Horas”. 

É recomendável que se a Kalendas for cantada ou recitada antes da Santa Missa, todo o espaço celebrativo já esteja preparado para a Celebração (até mesmo as velas do altar já devem estar acesas). A Kalendas natalina pode ser entoada com a Igreja a “meia luz”, proporcionando um ambiente oportuno para a apreciação deste belo texto litúrgico, sendo que após ser cantado ou recitado, as luzes da igreja se acendem aos poucos acompanhadas de um canto ou somente ao som do órgão. 

Abaixo, o texto traduzido do original em Latim:

Vinte e Cinco de Dezembro, primeira lua.
Tendo transcorrido muitos séculos desde a criação do mundo, quando no princípio Deus tinha criado o céu e a terra e tinha feito o Homem à sua imagem; 
E muitos séculos de quando, depois do dilúvio, o Altíssimo tinha feito resplandecer o arco-íris, sinal da Aliança e da Paz; 
Vinte e um séculos depois da partida de Abraão, nosso pai na fé, de Ur dos Caldeus; 
Treze séculos depois da saída de Israel do Egito, sob a guia de Moisés; 
Cerca de mil anos depois da unção de David como rei de Israel; 
Na sexagésima quinta semana, segundo a profecia de Daniel; 
Na época da centésima nonagésima quarta Olimpíada; 
No ano setecentos e cinqüenta e dois da fundação da cidade de Roma; 
No quadragésimo segundo ano do Império de César Otaviano Augusto; 
Quando em todo o mundo reinava a paz, Jesus Cristo, Deus Eterno e Filho do Eterno Pai, querendo santificar o mundo com a sua vinda, tendo sido concebido por obra do Espírito Santo, tendo transcorrido nove meses, (aqui eleva-se o tom da voz, e todos se ajoelham até as seguintes palavras: feito homem) nasce em Belém da Judéia da Virgem Maria, feito homem: 
Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a natureza humana. 
R: Graças a Deus.

Ou

Este está presente no diretório litúrgico

Transcorridos muitos séculos desde que Deus criou o mundo
e fez o homem à sua imagem;
séculos depois de haver cessado o dilúvio,
quando o Altíssimo fez resplandecer o arco-íris,
sinal de aliança e de paz;
vinte e um séculos depois do nascimento de Abraão, nosso pai;
 treze séculos depois da saída de Israel do Egito sob a guia de Moisés;
cerca de mil anos depois da unção de Davi como rei de Israel;
na septuagésima quinta semana da profecia de Daniel;
na nonagésima quarta Olimpíada de Atenas;
 no ano 752 da fundação de Roma;
 no ano 538 do edito de Ciro autorizando a volta do exílio e a reconstrução de Jerusalém;
no quadragésimo segundo ano do império de César Otaviano Augusto,
enquanto reinava a paz sobre a terra, na sexta idade do mundo.
JESUS CRISTO DEUS ETERNO E FILHO DO ETERNO PAI,
querendo santificar o mundo com a sua vinda,
foi concebido por obra do Espírito Santo e se fez homem;
transcorridos nove meses nasceu da Virgem Mariaem Belém de Judá.
Eis o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a natureza humana.
Venham, adoremos o Salvador.
Ele é Emanuel, Deus Conosco.

Vídeo do canto da Kalendas na Santa Missa da Noite de Natal do ano de 2010, na Basílica Vaticana.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Um Pouco da História de Nossa Arquidiocese - Jornal Voz de Nazaré



Fundado em 1913 pelo padre barnabita Florence Dubois para divulgar as atividades da Paróquia de Nazaré, o jornal Voz de Nazaré passou a ser administrado pela Fundação Nazaré de Comunicação, a partir de 2 de janeiro de 2003, quando a instituição, representada pelo então arcebispo Dom Vicente Zico, recebeu a transferência dos direitos do periódico.

Conhecido como o jornal católico da família, a Voz de Nazaré adota uma linha jornalística que visa à publicação de matérias voltadas para o interesse da comunidade católica de Belém, do Pará, do Brasil e do mundo, noticiando os principais fatos envolvendo a Igreja Católica.

Há por parte do jornal a preocupação com os problemas sociais locais, que são manifestados em reportagens publicadas com o objetivo de apontar os principais problemas enfrentados pela população e as possíveis soluções, sempre enfocando os princípios da Doutrina Social da Igreja e valorizando a dignidade do ser humano. Também é incentivada a cultura regional, com notícias e reportagens sobre atividades em diversas áreas artísticas.

A edição semanal é lida por cerca de 25 mil pessoas. Com circulação às sexta-feiras, a Voz de Nazaré possui distribuição entre os assinantes e pode ser encontrada nas principais bancas da cidade por R$ 1,00, na própria Fundação Nazaré de Comunicação, em todas paróquias da Arquidiocese de Belém, além de outras localidades do Pará.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Especial: Ritos Orientais

Liturgia bizantina, semelhante na sua ordem à de S. Tiago (Kóssing, Kaulen no Kirchenlexikon, s. v. Liturgie), usa três fórmulas atribuídas a três santos: uma a S. Gregório Magno, outra, breve e mais antiga, a S. João Crisóstomo, a última a S. Basílio, mais extensa e modificada por este santo. Estas duas últimas existem em língua grega entre os gregos, entre os russos em russo, entre os sérvios, rutenos e búlgaros em eslavo antigo, entre os geórgios em geórgio, entre os romenos em romeno.

Além da Liturgia bizantina, também a romana foi traduzida em eslavo antigo por S. Cirilo e está ainda em uso. Em algumas dioceses é permitido escrever os livros litúrgicos, sem mudar o texto, em, glagólico, forma antiga e por isso muito estimada das letras eslavas. Na última edição do missal eslavo (1927) só o cânon é impresso em letras glagolíticas, o resto do missal em letras latinas.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

São João da Cruz - 14 de dezembro

"Deus quer mais de ti um mínimo de obediência e docilidade, do que todas as ações que realizas por ele" (S. João da Cruz)


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2011
São João da Cruz

Queridos irmãos e irmãs,

Há duas semanas apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje gostaria de falar de outro importante santo daquelas terras, amigo espiritual de santa Teresa, reformador com ela da família religiosa carmelita: são João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio xi em 1926, e chamado na tradição Doctor mysticus, «Doutor místico».
João da Cruz nasceu em 1542 no povoado de Fontiveros, perto de Ávila, na Velha Castela, de Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. A família era extremamente pobre porque o pai, de nobre origem de Toledo, tinha sido expulso de casa e deserdado por ter casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, com nove anos, transferiu-se com a mãe e o irmão Francisco para Medina del Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural. Ali frequentou o Colegio de los Doctrinos, desempenhando também alguns trabalhos humildes para as irmãs da igreja-convento da Madalena. Em seguida, considerando as suas qualidades humanas e os seus resultados nos estudos, foi admitido primeiro como enfermeiro no Hospital da Conceição, depois no Colégio dos Jesuítas, recém-fundado em Medina del Campo: ali João entrou com dezoito anos e estudou ciências humanas, retórica e línguas clássicas durante três anos. No final da formação, ele viu claramente qual era a sua vocação: a vida religiosa e, entre as muitas ordens presentes em Medina, sentiu-se chamado ao Carmelo.
No Verão de 1563 começou o noviciado com os Carmelitas da cidade, assumindo o nome religioso de João de São Matias. No ano seguinte foi destinado à prestigiosa Universidade de Salamanca, onde por três anos estudou artes e filosofia. Em 1567 foi ordenado sacerdote e voltou a Medina del Campo para celebrar a sua primeira Missa circundado pelo carinho dos familiares. Precisamente ali teve lugar o primeiro encontro entre João e Teresa de Jesus. O encontro foi decisivo para ambos: Teresa expôs-lhes o seu plano de reforma do Carmelo também no ramo masculino da Ordem e propôs a João que se adaptasse «para maior glória de Deus»; o jovem sacerdote ficou fascinado pelas ideias de Teresa, a ponto de se tornar um grande defensor do projecto. Os dois trabalharam juntos alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar quanto antes possível a primeira casa de Carmelitas Descalços: a abertura ocorreu a 28 de Dezembro de 1568 em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João formavam esta primeira comunidade masculina reformada outros três companheiros. Ao renovar a sua profissão religiosa segundo a Regra primitiva, os quatro assumiram um novo nome: Então, João denominou-se «da Cruz», como depois será conhecido universalmente. No final de 1572, a pedido de santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação em Ávila, onde a santa era priora. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que a ambos enriqueceram. A esse período remontam inclusive as mais importantes obras teresianas e os primeiros escritos de João.
A adesão à reforma carmelita não foi fácil, e causou a João também graves sofrimentos. O episódio mais traumático foi, em 1577, o seu rapto e aprisionamento no convento dos Carmelitas de Antiga Observância de Toledo, devido a uma acusação injusta. O santo permaneceu preso durante meses, submetido a privações e constrições físicas e morais. Ali compôs, além de outras poesias, o célebre Cântico espiritual. Finalmente, na noite entre 16 e 17 de Agosto de 1578, conseguiu fugir de modo aventuroso, refugiando-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e os companheiros reformados celebraram com imensa alegria a sua libertação e, após um breve período de recuperação das forças, João foi destinado para a Andalusia, onde transcorreu dez anos em vários conventos, especialmente em Granada. Assumiu cargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário provincial, e completou a redacção dos seus tratados espirituais. Depois, voltou para a sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que já gozava de plena autonomia jurídica. Habitou no Carmelo de Segóvia, desempenhando a função de superior daquela comunidade. Em 1591 foi eximido de qualquer responsabilidade e destinado à nova Província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se num convento solitário perto de Jaén, onde adoeceu gravemente. João enfrentou com serenidade e paciência exemplares normes sofrimentos. Falceu na noite entre 13 e 14 de Dezembro de 1591, enquanto os irmãos de hábito recitavam o Ofício matutino. Despediu-se deles, dizendo: «Hoje vou cantar o Ofício no Céu». Os seus restos mortais foram trasladados para Segóvia. Foi beatificado por Clemente x em 1675 e canonizado por Bento XIII em 1726.
João é considerado um dos mais importantes poetas líricos da literatura espanhola. As obras principais são quatro: Subida ao Monte Carmelo, Noite obscura, Cântico espiritual e Chama de amor viva.
No Cântico espiritual, são João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a posse progressiva e jubilosa de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com que é por Ele amada. A Chama de amor viva continua nesta perspectiva, descrevendo mais pormenorizadamente o estado de união transformadora com Deus. A comparação utilizada por João é sempre a do fogo: assim como o fogo, quanto mais arde e consome a madeira, tanto mais se torna incandescente até se tornar chama, também o Espírito Santo, que durante a noite obscura purifica e «limpa» a alma, com o tempo ilumina-a e aquece-a como se fosse uma chama. A vida da alma é uma festa contínua do Espírito Santo, que deixa entrever a glória da união com Deus na eternidade.
Subida ao Monte Carmelo apresenta o itinerário espiritual sob o ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar a montanha da perfeição cristã, simbolizada pelo cimo do Monte Carmelo. Tal purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, colaborando com a obra divina, para libertar a alma de todo o apego ou afecto contrário à vontade de Deus. A purificação, que para alcançar a união com Deus deve ser total, começa a partir daquela da vida dos sentidos e continua com a que se alcança por meio das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade. A Noite obscura descreve o aspecto «passivo», ou seja, a intervenção de Deus neste processo de «purificação» da alma. Com efeito, o esforço humano sozinho é incapaz de chegar às profundas raízes das más inclinações e hábitos da pessoa: só os pode impedir, mas não consegue erradicá-los completamente. Para o fazer, é necessária a acção especial de Deus, que purifica radicalmente o espírito e o dispõe para a união de amor com Ele. São João define «passiva» tal purificação, precisamente porque, embora seja aceite pela alma, é realizada pela obra misteriosa do Espírito Santo que, como chama de fogo, consome toda a impureza. Neste estado, a alma é submetida a todo o tipo de provações, como se se encontasse numa noite obscura.
Estas indicações sobre as obras principais do santo ajudam-nos a aproximar-nos dos pontos salientes da sua vasta e profunda doutrina mística, cuja finalidade é descrever um caminho seguro para alcançar a santidade, a condição de perfeição à qual Deus chama todos nós. Segundo João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, nós conseguimos chegar à descoberta daquele que nelas deixou um vestígio de Si. De qualquer modo, a fé é a única fonte confiada ao homem para conhecer Deus como Ele é em si mesmo, como Deus Uno e Trino. Tudo o que Deus queria comunicar ao homem, disse-o em Jesus Cristo, a sua Palavra que se fez carne. Jesus Cristo é o único e definitivo caminho para o Pai (cf. Jo 14, 6).
Qualquer coisa criada nada é em comparação com Deus, e nada vale fora dele: por conseguinte, para alcançar o amor perfeito de Deus, todos os outros amores devem conformar-se em Cristo com o amor divino. Daqui deriva a insistência de são João da Cruz sobre a necessidade da purificação e do esvaziamento interior para se transformar em Deus, que é a única meta da perfeição. Esta «purificação» não consiste na simples falta física das coisas ou do seu uso; o que torna a alma pura e livre, ao contrário, é eliminar toda a dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser inserido em Deus como centro e fim da vida. Sem dúvida, o longo e cansativo processo de purificação exige o esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo o que o homem pode fazer é «dispor-se», estar aberto à obra divina e não lhe pôr obstáculos. Vivendo as virtudes teologais, o homem eleva-se e valoriza o próprio compromisso. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade caminha a par e passo com a obra de purificação e com a união progressiva com Deus, até se transformar nele. Quando alcança esta meta, a alma imerge-se na própria vida trinitária, e são João afirma que ela consegue amar a Deus com o mesmo amor com que Ele a ama, porque a ama no Espírito Santo. Eis por que motivo o Doutor místico afirma que não existe verdadeira união de amor com Deus, se não culmina na união trinitária. Neste estado supremo a alma santa conhece tudo em Deus e já não deve passar através das criaturas para chegar a Ele. A alma já se sente inundada pelo amor divino e alegra-se completamente nele.
Caros irmãos e irmãs, no fim permanece esta pergunta: com a sua mística excelsa, com este árduo caminho rumo ao cimo da perfeição, este santo tem algo a dizer também a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas escolhidas que podem realmente empreender este caminho da purificação, da ascese mística? Para encontrar a resposta, em primeiro lugar temos que ter presente que a vida de são João da Cruz não foi um «voar sobre as nuvens místicas», mas uma vida muito árdua, deveras prática e concreta, quer como reformador da ordem, onde encontrou muitas oposições, quer como superior provincial, quer ainda no cárcere dos seus irmãos de hábito, onde esteve exposto a insultos incríveis e a maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas precisamente nos meses passados na prisão, ele escreveu uma das suas obras mais bonitas. E assim podemos compreender que o caminho com Cristo, o andar com Cristo, «o Caminho», não é um peso acrescentado ao fardo já suficientemente grave da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesada esta carga, mas é algo totalmente diferente, é uma luz, uma força que nos ajuda a carregar este peso. Se um homem tem em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as molésticas da vida, porque traz em si esta grande luce; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a carregar o fardo de todos os dias. E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta «abertura»: abrir as janelas da nossa alma, para que a luz de Deus possa entrar, não esquecer Deus, porque é precisamente na abertura à sua luz que se encontra a força, a alegria dos remidos. Oremos ao Senhor para que nos ajude a encontrar esta santidade, deixando-nos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção.
Obrigado!

Especial: Ritos Orientais

Liturgia siro-malabárica, igual à Liturgia nestoriana, que nasceu no Curdistão na Pérsia sendo celebrada em língua siríaca, possui elementos romanos.



quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Primeira pregação do Advento de 2011 à Casa Pontifícia



"Ide ao mundo inteiro"

A primeira ondada de evangelização
Em resposta ao apelo do Sumo Pontífice de um renovado compromisso com a evangelização e em preparação para o Sínodo dos Bispos de 2012 sobre o mesmo assunto, me proponho a identificar, nestas meditações do Advento, quatro ondadas da nova evangelização na história da Igreja, ou seja, quatro momentos nos quais se testemunham uma aceleração ou uma retomada do compromisso missionário. São eles:


1. A expansão do cristianismo nos primeiros três séculos de vida, até a véspera do edito de Constantino, cujos protagonistas, em primeiro lugar, eram os profetas itinerantes e, depois, os bispos;

2. Os séculos VI-IX, em que assistimos à reevangelização da Europa após as invasões bárbaras, especialmente pela obra dos monges;

3. O século XVI com a descoberta e a conversão ao cristianismo dos povos do "novo mundo", especialmente pela obra dos frades;

4. A época atual que vê a Igreja envolvida numa reevangelização do Ocidente secularizado, com a participação determinante dos leigos.



Em cada um desses momentos tentarei destacar o que podemos aprender na Igreja de hoje: quais erros evitar e os exemplos a imitar e quais contribuições específicas que podem dar à evangelização os pastores, os monges, os religiosos de vida ativa e os leigos.

1. A difusão do cristianismo nos primeiros três séculos.
Hoje começamos com uma reflexão sobre a evangelização cristã nos primeiros três séculos. Principalmente um motivo faz deste período um modelo para todos os tempos. É o período no qual o cristianismo encontra o seu caminho exclusivamente por própria força. Não há nenhum "braço secular" que o apoie; as conversões não são determinadas pelas vantagens externas, materiais ou culturais; ser cristão  não é um costume ou uma moda, mas uma escolha contra a corrente, muitas vezes com risco de vida. Em alguns aspectos, a situação se voltou a criar hoje em diferentes partes do mundo.

A fé cristã nasce com uma abertura universal. Jesus tinha dito aos seus apóstolos para irem "ao mundo inteiro " (Mc 16, 15), para "fazerem discípulos a todas as nações" (Mt 28, 19), para serem testemunhas “até os confins da terra” (At 1, 8), para “pregarem a todos os povos a conversão e o perdão dos pecados” (Lc 24, 47).

A aplicação do princípio desta universalidade já acontece na geração apostólica, embora não sem dificuldade e lacerações. No dia de Pentecostes a primeira barreira é superada, a da raça (os três mil convertidos pertenciam a outros povos, mas eram todos crentes do judaísmo); na casa de Cornélio e no assim chamado concílio de Jerusalém, especialmente por impulso de Paulo, a barreira mais difícil de todas foi superada, aquela religiosa que separava os hebreus dos gentios. O evangelho tem, dessa forma, o mundo inteiro diante de si, ainda que por agora esse mundo seja limitado, no conhecimento dos homens, ao Mediterrâneo e às fronteiras do Império Romano.

Mais complexo é seguir a expansão de fato, ou geográfica, do cristianismo nos três primeiros séculos que, porém, é menos necessária para o nosso propósito. O estudo mais abrangente, e até agora insuperável a esse respeito é aquele de Adolph Harnack, "Missão e expansão do cristianismo nos primeiros três séculos".

Um aumento acentuado na atividade missionária da Igreja se realiza sob o imperador Commodo (180-192) e, em seguida, na segunda metade do século III, até às vésperas da grande perseguição de Diocleciano (302). Este, além das ocasionais perseguições locais, foi um período de relativa paz que permitiu à Igreja primitiva consolidar-se internamente e desenvolver um novo tipo de atividade missionária.

Vejamos em que consiste esta novidade. Nos dois primeiros séculos a propagação da fé foi confiada à iniciativa pessoal. Tratava-se dos profetas itinerantes, mencionados na Didaqué, que moviam-se de um lugar para outro; muitas conversões deveram-se a contatos pessoais, favorecidos pelos trabalhos comuns exercitados pelas viagens e pelas relações comerciais, pelo serviço militar e por outras circunstâncias da vida. 

Orígenes nos dá uma descrição comovente do zelo desses primeiros missionários:
"Os cristãos fazem todo o esforço possível para espalhar a fé por toda a terra. Para esse fim, alguns deles se propõem formalmente como tarefa das suas vidas o peregrinar não somente de cidade em cidade, mas também de município em município e de vilarejo em vilarejo para ganhar novos fiéis para o Senhor. Nem se passe pela cabeça, espero, que eles façam isso por lucro, pois até mesmo, muitas vezes se recusam a aceitar o que é necessário à vida".

Agora, na segunda metade do século III, estas iniciativas pessoais são cada vez mais coordenadas e em parte substituídas pela comunidade local. O bispo, até mesmo por reação aos efeitos de desintegração da heresia gnóstica, conquista a melhor sobre os mestres, como diretor da vida interna da comunidade e centro propulsor da sua atividade missionária. A comunidade é agora o sujeito evangelizador, a tal ponto que um erudito como Harnack, certamente não suspeito de simpatia pela instituição, possa afirmar: "Devemos ter por certo que a mera existência e a atividade constante das comunidades individuais foi o principal fator na propagação do cristianismo".


No final do terceiro século, a fé cristã penetrou praticamente todos os estratos da sociedade, já tem sua própria literatura em lingua grega e uma, embora no início, em lingua latina; possui uma sólida organização interna; começa a construir edifícios sempre mais amplos, sinal do aumento do número de fiéis. A grande perseguição de Diocleciano, além das muitas vítimas, não fez nada mais que destacar o fato de que a força da fé cristã já era irreprimível. A última luta de braço entre o Império e o cristianismo é testemunha disso. 
No fundo, Constantino não vai fazer nada mais do que tomar nota dessa nova relação de forças. Não será ele que vai impor o cristianismo para o povo, mas o povo que vai lhe impor o cristianismo. Afirmações como aquelas de Dan Brown no romance "O Código Da Vinci" e de outros propagadores, segundo os quais  foi Constantino, por razões pessoais, a transformar, com o seu edito de tolerância e com o concílio de Nicéia, uma obscura seita religiosa judaica na religião do império, são baseadas numa total ignorância dos fatos que precederam esses eventos.


2. As razões do sucesso
Um tema que sempre apaixonou os historiadores é aquele das razões do triunfo do cristianismo. Uma mensagem nascida em um canto obscuro e desprezado do Império, entre pessoas simples, sem cultura e sem poder, em menos de três séculos, se estende a todo o mundo então conhecido, subjugando a refinadíssima cultura dos gregos e o poder imperial de Roma!

Entre as diversas razões do sucesso, alguns insistem no amor cristão e no exercício ativo da caridade, até torná-lo "o fator mais importante e poderoso para o sucesso da fé cristã", de tal forma que induziria mais tarde o imperador Juliano o Apóstata, a fornecer o paganismo de semelhantes obras de caridade para combater este sucesso.

Harnack, por outro lado, dá uma grande importância ao que ele chama de a natureza "sincretista" da fé cristã, ou seja, da capacidade de conciliar em si as tendências opostas e os diversos valores presentes nas religiões e na cultura do tempo. O cristianismo se apresenta ao mesmo tempo, como a religião do Espírito e do poder, que é acompanhada por sinais sobrenaturais, carismas e milagres, e como a religião da razão e do Logos integral, “a verdadeira filosofia”, nos dizeres de Justino Mártir. Os autores cristãos são "os racionalistas do sobrenatural", diz Harnack citando as palavras do apóstolo Paulo sobre a fé como "tratamento racional" (Romanos 12,1).

Desta forma o cristianismo reúne em si, num perfeito equilíbrio, o que o filósofo Nietzsche define o elemento apolíneo e o elemento dionisíaco da religião grega, o Logos e o Pneuma, a ordem e o entusiasmo, a medida e o excesso. É isto que, pelo menos em parte, entendiam os Padres da Igreja com o tema da "sóbria embriaguez do Espírito".

"A religião cristã – escrevia Harnack no final da sua monumental pesquisa – , desde o início, apareceu com uma universalidade que a permitiu reivindicar para si toda a vida inteiramente, com todas as suas funções, as suas alturas e profundidades, sentimentos, pensamentos e ações. Foi esse espírito de universalidade que lhe garantiu a vitória. Foi isso que a levou a professar que o Jesus proclamado por ela era o Logos divino ... Assim se ilumina com nova luz e aparece quase uma necessidade, até mesmo aquela poderosa atração pela qual chegou a absorver e a submeter a si o helenismo. Tudo o que era de alguma forma capaz de vida entrou como elemento na sua construção ... E essa religião não deveria vencer? "


A impressão que se tem ao ler este resumo é que o sucesso do cristianismo é devido a uma combinação de fatores. Alguns foram tão longe na busca das causas deste sucesso que encontraram vinte motivos a favor da fé e muitos outros que estavam agindo na direção oposta, como se o êxito final dependesse da prevalência do primeiro sobre o segundo.

Agora eu gostaria de destacar o limite inerente a tal abordagem histórica, mesmo quando esta é feita por historiadores que tem fé como aqueles que até agora tenho tido em conta. O limite, devido ao mesmo método histórico, é de dar mais importância ao sujeito do que ao objeto da missão, mais aos evangelizadores e às condições em que ela ocorre, do que ao seu conteúdo.


A razão que me empurra a fazê-lo é que isso é também o limite e o perigo inerente a tantas abordagens atuais e mediáticas, quando se fala de uma nova evangelização. Esquece-se de uma coisa muito simples: que Jesus mesmo tinha dado, antecipadamente, uma explicação da difusão do seu Evangelho e é dessa que devemos começar toda vez que nos propomos um novo esforço missionário.

Escutemos mais uma vez duas breves parábolas evangélicas, aquela da semente que cresce também à noite e aquela da semente de mostarda.
“E dizia: ‘acontece com o Reino de Deus o mesmo que com o homem que lançou a semente na terra: ele dorme e acorda, de noite e de dia, mas a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. A terra por si mesma produz fruto: primeiro a erva, depois a espiga e, por fim, a espiga cheia de grãos. Quando o fruto está no ponto, imediatamente se lhe lança a foice, porque a colheita chegou’.”(Mc 4, 26-30).

Esta parábola, por si só, diz-nos que a razão essencial para o sucesso da missão cristã não vem de fora mas de dentro, não é obra do semeador e nem sequer principalmente do solo, mas da semente. A semente não pode ser jogada por si só, no entanto, é automaticamente e por si mesma  que ela cresce. Depois de ter jogado a semente o semeador pode também ir dormir, a vida da semente já não depende dele. Quando esta semente é "a semente jogada na terra e morta", ou seja  Jesus Cristo, nada poderá impedir que essa "dê muitos frutos". Pode-se dar todas as explicações que você quiser desses frutos, mas estas permanecerão sempre na superfície, nunca captarão o essencial.

Quem captou com clareza a prioridade do objeto do anúncio sobre o sujeito é o apóstolo Paulo.
"Eu plantei, Apolo regou, mas é Deus quem fazia crescer”. Estas palavras parecem ser um comentário sobre a parábola de Jesus. Não se trata de três operações com a mesma importância; de fato, o apóstolo acrescenta: " Assim, pois, aquele que planta, nada é: aquele que rega nada é; mas imorta somente Deus, que dá o crescimento”. (1 Cor 3, 6 -7). A mesma distância qualitativa entre o sujeito e o objeto do anúncio está presente em outra palavra do Apóstolo: "Mas nós temos este tesouro em vasos de barro, para que este grande poder seja atribuído a Deus e não a nós" ( 2 Cor 4,7). Tudo isso se traduz nas exclamações programáticas: "Nós não pregamos a nós mesmos, mas o Senhor Jesus Cristo!" e ainda "Nós pregamos Cristo crucificado".

Jesus pronunciou uma segunda parábola com base na imagem da semente que explica o sucesso da missão cristã e que dever ser tida em conta hoje, diante da imensa tarefa de reevangelizar o mundo secularizado.
“E dizia: ‘com que compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos? É como um grão de mostarda que, quando é semeado na terra – é a menor de todas as sementes da terra – mas, quando é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e deita grandes ramos, a tal ponto que as aves do céu se abrigam à sua sombra” (Mc 4, 30-32).

O ensinamento que Cristo nos dá com esta parábola é que o seu Evangelho e a sua mesma pessoa é a menor coisa que existe sobre a terra porque não há nada menor e mais fraco do que uma vida que termina numa morte de cruz. No entanto, esta minúscula "semente de mostarda" está destinada a se tornar uma grande árvore, de modo a acomodar em seus ramos todos os pássaros que vão refugiar-se ali. Isso significa que toda a criação, absolutamente toda irá ali encontrar refúgio.

Que contraste com as reconstruções históricas mencionadas acima! Tudo lá parecia incerto, aleatório, suspenso entre o sucesso e o fracasso; aqui tudo já foi decidido e garantido desde o começo! No final do episódio da unção de Betânia, Jesus pronunciou estas palavras: "Em verdade vos digo que, onde quer que este Evangelho seja anunciado, em todo o mundo, em memória dela se dirá também o que ela fez" (Mateus 26,13 ). A mesma consciência tranquila de que um dia sua mensagem seria anunciada “a todo o mundo”. E certamente não é uma profecia "post eventum", porque naquele momento, tudo pressagiava o oposto.

Até mesmo nisso quem melhor captou "o mistério escondido" foi Paulo. Me impressiona sempre um fato. O Apóstolo pregou no Areópago de Atenas e assistiu a uma rejeição da mensagem, educadamente expressada com a promessa de ouvi-lo em outra ocasião. De Corinto, onde ele foi logo depois, escreveu a Carta aos Romanos, onde afirma ter recebido a tarefa de conduzir "à obediência da fé todas as nações " (Rm 1, 5-6). O insucesso não avariou minimamente a sua confiança na mensagem: "Eu não me envergonho - grita - do evangelho, porque é potência de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu, primeiro, como do grego" (Rom 1, 16 ). Apóstolo Paulo, dá-nos um pouco "desta tua fé e desta tua coragem e não nos desanimaremos diante da tarefa sobre-humana que está diante de nós!

"Toda árvore, diz Jesus, é reconhecida pelos seus frutos" (Lc 6, 44). Isto é verdade para toda árvore, exceto para a árvore nascida dele, o cristianismo (e de fato ele está falando aqui dos homens); essa única árvore não é conhecida pelo fruto, mas a partir da semente e da raiz. No cristianismo a plenitude não está no fim, como na dialética hegeliana do devir (“o verdadeiro é o inteiro”), mas está no princípio; nenhum fruto, nem mesmo os maiores santos, acrescentam algo à perfeição do modelo. Neste sentido tem razão quem afirmou que “o cristianismo não é perfectível”.

3. Semear e... ir dormir
Aquilo que os historiados das origens cristãs não registraram ou dão pouca importância é a certeza inabalável que os cristãos da época, pelo menos os melhores deles, tinham sobre a bondade e a vitória final da sua causa. "Vocês podem nos matar, mas não nos podem prejudicar", dizia Justino Mártir ao juiz romano que o condenava à morte. No final foi essa tranquila certeza que lhes garantiu a vitória e convenceu as autoridades políticas da inutilidade dos esforços para suprimir a fé cristã.

É isso o que mais nos acontece hoje: despertar nos cristãos, pelo menos naqueles que pretendem se dedicar ao trabalho da reevangelização, a certeza íntima da verdade do que anunciamos. "A Igreja, Paulo VI disse certa vez, precisa recuperar o desejo, o prazer e a certeza da sua verdade". Devemos acreditar, primeiramente nós, em tudo o que anunciamos; mas acreditar realmente, "com todo o coração, com toda a alma,  com toda a mente". Temos de ser capazes de dizer com Paulo: "Animados pelo mesmo espírito de fé, como está escrito: Eu acreditei, portanto, eu falei, nós também acreditamos e, portanto, falamos" (2 Coríntios 4, 13).

A tarefa prática que as duas parábolas de Jesus nos designam é semear. Semear com mãos cheias, “no momento adequado e inadequado" (2 Tm 4, 2). O semeador da  parábola que sai para semear não se preocupa com o fato de que algumas sementes acabem na rua e entre os espinhos, e pensar que aquele semeador, fora da metáfora, é ele mesmo, Jesus! A razão é que, neste caso, não se pode saber com antecedência qual terreno se revelará bom, ou duro como o asfalto e sufocante como um arbusto. Há no meio a liberdade humana que o homem não pode prever, e Deus não quer violar. Quantas vezes entre as pessoas que ouviram algum sermão ou leram um determinado livro, verifica-se que quem o tomou mais a sério e teve a vida mudada era a pessoa que menos se esperava, alguém que estava ali por acaso, ou até mesmo relutante. Eu mesmo poderia contar dezenas de casos.

Semear então e depois... ir dormir! Ou seja, semear e depois não estar lá o tempo todo olhando, quando brota, onde brota, quantos centímetros está crescendo diariamente. A germinação e o crescimento não é nosso negócio, mas de Deus e do ouvinte. Um grande humorista Inglês do século XIX, Jerome Klapka Jerome, disse que a melhor maneira de fazer demorar a ebulição da água numa panela é aquela de estar de olho nela e esperar com impaciência.

Fazer o contrário é fonte inevitável de ansiedade e de impaciência: coisas que Jesus não gosta e que ele nunca fez quando esteve na terra. No Evangelho, ele nunca parece ter pressa. "Não andem ansiosos pelo amanhã, dizia aos seus discípulos, porque o amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus 6, 34).

Neste sentido, o poeta cristão Charles Péguy põe na boca de Deus palavras que são boas para meditarmos:

"Disseram-me que há homens
Que trabalham bem e dormem mal.
Que não dormem. Que tem falta de confiança em mim.
É quase pior do que
se não trabalhassem mas dormissem, porque a preguiça
Não é pecado maior do que a ansiedade ...
Não falo, diz Deus, daqueles homens
que não trabalham e não dormem.
Esses são pecadores, é claro ...
Falo daqueles que trabalham e não dormem ...
Tenho pena deles. Eles não confiam em mim ...
Governam muito bem seus assuntos durante o dia.
Mas não querem confiar-me o governo durante a noite...
Quem não dorme é infiel à Esperança... ".


As reflexões realizadas nesta meditação nos levam, em conclusão, a colocar na base do esforço para uma nova evangelização um grande ato de fé e de esperança para sacudir de cima qualquer sentimento de impotência e resignação. Temos diante de nós, é verdade, um mundo fechado no secularismo, inebriado pelos sucessos da técnica e das possibilidades oferecidas pela ciência, refratário ao anúncio do Evangelho. Mas era talvez menos confiante em si e menos refratário ao evangelho o mundo no qual viviam os primeiros cristãos, os gregos com a sua sabedoria e o Império Romano com o seu poder?

Se houver algo que possamos fazer, depois de ter "semeado", é "irrigar", com a oração, a semente lançada. Por isso terminemos com a oração que a liturgia nos faz recitar na Missa "para a evangelização dos povos":

Ó Deus, tu queres que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade; olha quão grande é a tua messe e manda operários, para que seja anunciado o Evangelho à toda criatura, e o teu povo, reunido pela palavra de vida e moldado pela força dos sacramentos, prossiga no caminho da salvação e do amor.
Por Cristo nosso Senhor. Amém.

Pe. Frei. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia
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