segunda-feira, 2 de maio de 2011

Beato João Paulo II em Belém

Em vista de mais uma vez homenagear o já agora Beato João Paulo II, republicamos o artigo por nós produzido em julho do ano passado, onde se completou 30 anos de sua visita a nossa Cidade.


Faz Trinta Anos


* João Antônio Lima
Introdução

Há precisamente trinta anos atrás um acontecimento marcou de modo indelével a memória do povo paraense, e tal fato não poderia ser diferente, nossa cidade marcada desde sua “descoberta” e expansão sob o signo da Cruz de Cristo, passava a ver esta mesma cruz ostentada no peito pelo seu vigário na terra. O Forte do Presépio nos tempos de nossa descoberta parece que profetizava que assim como os pastores acorreram a Belém de Judá para encontrar Jesus na manjedoura, do mesmo modo nosso grande pastor na terra acorreria a nossa cidade escutando e atendendo ao apelo de “vir a Belém”. Deste modo, achei por bem escrever estas breves palavras, em vista de aqueles que viveram este dia e os que não viveram, dentre os quais me incluo, possam ser de algum modo transportados para aquela realidade, e também receber dela a força para continuarem na barca guiada pelo sucessor de Pedro.

Antecedentes

Quando se confirmou a vinda do Papa ao Brasil, logo se imaginou que este visitaria apenas as principais cidades, pois assim o tinha feito em viagens precedentes, como por exemplo, aos Estados Unidos da América e a França. Dentre as cidades brasileiras, algumas tinham como certa a visita do papa pelas seguintes razões: Rio de Janeiro, pois se comemorava 25 anos do CELAM; São Paulo, pela Sagração da Basílica de Aparecida; Fortaleza,para a abertura do X Congresso Eucarístico Nacional; Salvador, por ser a sede primacial do Brasil; e Porto Alegre, por lá ser uma grande celeiro de vocações. Além destas cidades, algumas outras eram propostas, dentre as quais não se incluía Belém. Por outro lado, chegou ao conhecimento de Dom Alberto Ramos, então arcebispo metropolitano, a notícia de que o santo padre tinha manifestado interesse pela Amazônia e pelos povos indígenas, fato que acendeu as esperanças de vinda do pai da cristandade para nossas terras.

Motivados por tais questões, e a exemplo daqueles que desejavam receber o papa em suas dioceses, todos os bispos do Pará redigiram uma carta convidando o papa a incluir Belém no seu itinerário, cuja carta convém ser digna de ser aqui transcrita.

Beatíssimo Padre

Despertou sentimentos do mais vivo entusiasmo, a notícia de que Vossa Santidade deseja visitar este imenso país católico, no próximo mês de julho. Incalculáveis serão os frutos dessa presença do pai comum da cristandade, neste país cheio de contrastes, e variadíssimas regiões.

Na elaboração do itinerário, ousamos sugerir a inclusão da região amazônica, que abrange quase dois terços do território brasileiro e que atualmente é alvo de cobiça internacional e de problemas paradoxais, deixando de ser o”pulmão do globo”, o maior complexo florestal do mundo, para ser penetrada pelas estradas, pela devastação de suas matas, a exploração de minérios e a implantação da pecuária que leva ao desalojamento injusto dos antigos posseiros ou agricultores.

Tomamos, por isso, a liberdade de convidar Vossa Santidade a incluir no roteiro, Belém, a principal cidade da Amazônia, (Nossa Senhora de Belém do Grão Pará), metrópole eclesiástica e civil, com cerca de um milhão de habitantes, ponto de partida da evangelização, e sede do mais celebre santuário de devoção mariana no norte do Brasil, a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré.

A poucos quilômetros do aeroporto, Vossa Santidade poderia dirigir, na Colônia de Marituba, uma palavra de conforto aos irmãos hansenianos, ameaçados de serem dispersados para serem mesclados à população, sem a devida preparação.

Belém possui um lindo e verdejante trecho da floresta, o “Bosque Rodrigues Alves”, onde, numa clareira poderiam ser reunidos os chefes (tuxauas) das principais tribos indígenas do Brasil, para dialogarem com Vossa Santidade.

Ao longo das amplas avenidas, sombreadas pelos túneis de mangueiras, o povo de Belém, acrescido pelos habitantes do Estado do Pará e do norte de Maranhão, Piauí e Goiás receberia a bênção do primeiro Pontífice a pisar o solo amazônico.

Esperando que Vossa Santidade ouça os pastores da Província Eclesiástica de Belém (Regional Norte II da CNBB) e tome a resolução de dizer “transeamus usque Betheem...” – “Vamos até Belém”, firmamo-nos obsequiosos e reverentes.

+ Alberto Ramos, Arcebispo de Belém
+ Tiago Ryan, Bispo de Santarém
+ Tadeu Prost, Bispo Auxiliar de Belém
+ Angelo Frosi, Bispo Prelado de Abaetetuba
+ Alquilio Alvares Diaz, Bispo Prelado de Marajó
+ Alano Pena, Bispo Diocesano de Marabá
+ Angelo Rivato, Bispo de Ponta de Pedras
+ Patrício José Henrahan, Bispo de Conceição do Araguaia
+ Martinho Lammers, Bispo de Óbidos
+ José Maritano, Bispo de Macapá
Mons. Henrique Riemslag, Administrador Apostólico de Cametá
Mons. Miguel Giambelli, Administrador Apostólico do Guamá

Enquanto algumas cidades, aquelas tidas como certas, já preparavam-se para a vinda do Papa, Belém ainda indefinida no itinerário esperava ansiosamente poder ser incluída. No dia 17 de Abril de 1980, Dom Alberto Ramos na visita ad limina apostolorum, deu maior força para a pretensão de Belém, convidando pessoalmente o Santo Padre para vir a Amazônia, e de modo particular a Belém, o papa manifestou atenção quanto à região e fez várias perguntas acerca dela.

A grande espera terminou quando o secretário da nunciatura convocou Dom Alberto para uma reunião secreta no Rio de Janeiro, nesta reunião estavam presentes altos dignatários da Igreja e membros do ministério das Relações Exteriores, lá o núncio apostólico apresentou o provável itinerário da viagem, no qual para grande felicidade do povo do Pará estava incluído o nome de Belém. Apesar de não ser o itinerário final, este já sinalizava o que mais a frente ia se confirmar.

Preparativos

Como devemos imaginar a recepção de um papa exige grandes preparativos, quer pela grandeza de sua figura, quer pela quantidade de pessoas que o cerca nestas viagens. Deste modo dever-se-ia preparar lugares para a acomodação do santo padre e sua comitiva, bem como organizar todo itinerário a ser percorrido por ele em nossa cidade, além da infra-estrutura necessária para tal.

Quanto à acomodação pensou-se em dois lugares, o palácio episcopal (atual museu de arte sacra) e o seminário São Gaspar que fica as proximidades da Catedral. O Palácio Episcopal encontrava-se em péssimo estado, cheio de goteiras e infiltrações, organizou-se então uma campanha em vista de reformá-lo, cuja campanha tinha a frente Dom Alberto Ramos e recebeu adesão de uma série de empresários. Esta propiciou a reforma do mesmo, cuja obra seguiu-se até a véspera da chegada do papa.

Quanto aos preparativos relacionados à infra-estrutura, o maior deles era a escolha do local para se realizar a santa missa, pensou-se em vários lugares os quais foram descartados pelas seguintes razões: Pista do aero clube, fechá-la significaria isolar Belém dos municípios ligados por via aérea; Estádio Mangueirão, por problemas quanto ao acesso; Praça da Republica e outras praças (Batista Campos, Praça Brasil), pela arborização que atrapalharia a visualização da celebração; Ceasa, problemas quanto ao acesso; Cruzamento da Dr. Freitas com a Duque de Caxias, cruzamento vital para aquela região da cidade; Entroncamento, fechá-lo significaria isolar Belém do resto do Brasil por um longo tempo. Em meio a estes problemas, decidiu-se então pelo cruzamento da Avenida 1º de Dezembro com a Barão do Triunfo, por outro lado tal escolha foi embargada por técnicos da CELPA, por lá se localizar uma sub-usina de energia elétrica, fato que ofereceria perigo a grande quantidade de pessoas que para lá acorreriam para a celebração. Decidiu-se então pelo cruzamento da Av. 1º de Dezembro com a Mauriti, neste local se montaria um altar monumento dotado de duas rampas internas e todo acarpetado no qual se celebraria a santa missa.

O Grande Dia

Clemente XI, em 1719, engrinaldou a cidade de Belém, pórtico da Amazônia, com a dignidade de sede episcopal.

São Pio X enobreceu-a, em 1906, com a primazia arquiepiscopal em todo o norte e nordeste do Brasil, terceira depois de Salvador e Rio de Janeiro.

Pio XII endereçou-lhe sua palavra fulgurante e enviou-lhe um Legado Pontifício, em 1953, para presidir o VI Congresso Eucarístico Nacional e coroar a imagem bendita e querida de Nossa Senhora de Nazaré.

Paulo VI, depois de ter pisado esta terra, antes de ser eleito Papa. Falou também à gente belemense, em 1971, asseverando que “Cristo aponta para a Amazônia”.

Agora João Paulo II atende o nosso convite e vem, embora por poucas horas, à semelhança dos pastores na noite de natal, “Transeamus usque Bethlehem” “Vamos até Belém”, verificar o que sucedeu. E assim estamos vivendo momentos históricos de intensa vibração e sensibilidade.

Na recente visita que fizemos a Sua Santidade, (audiência 17/04/1980) perguntou-nos se o povo do Pará amava a Nossa Senhora. Respondemos tranqüila e seguramente: “Sim Santidade, o povo de Belém é essencialmente mariano. Suas Maiores igrejas são dedicadas a Nossa Senhora de Belém ou de Nazaré, do Carmo ou das Mercês.

Belém, é toda de Maria. Poderia adotar o lema de João Paulo II: TOTUS TUUS.

O Pará sendo “todo de Maria” é também todo do Papa.

+ Alberto Ramos, Arcebispo de Belém

Recepção

Precisamente às 12:45 do dia 8 de Junho de 1980, abria-se a porta do avião da presidência da republica que ostentava o brasão pontifício, e após alguns segundos surge a figura tão esperada, o Papa João Paulo II, ao sair do avião de acordo com o protocolo cumprimenta primeiramente o comandante da base aérea, após este cumprimenta D. Alberto Ramos, em seguida o governador Alacid Nunes e sua esposa, o prefeito Loriwal Magalhães e sua esposa, e as demais autoridades incluindo Dom Tadeu Prost que era bispo auxiliar.

Seminário São Pio X

O Papa após a recepção segue do aeroporto para o seminário São Pio X em carro fechado, sendo saudado durante todo o trajeto por milhares de pessoas que enfileiravam-se nas ruas por onde passava a comitiva, ao lado do Papa estava Dom Alberto Ramos que respondia atentamente as perguntas do santo padre quanto ao clima e ao povo.

Chegando ao seminário o papa encontrou-se com alguns sacerdotes, com os seminaristas e com um grupo de religiosas, dentre estas se destaca o encontro com irmãs carmelitas que três anos antes tinham sido expulsas de Moçambique pelo governo comunista. Após tal encontro, o Papa almoçou no chamado “Salão Branco” na presença de poucas pessoas, e serviu-se de uma alimentação leve e ao final comeu mamão.

Colônia de Marituba

Após o almoço repousou no quarto do reitor do seminário até às 15:30h, quando sob forte sol saiu do seminário em direção a colônia de hansenianos de Marituba, o translado se deu em um ônibus e o papa seguiu durante a viagem ao lado do motorista e de pé, para que pudesse ser visto e ver as pessoas que tão ansiosamente o esperavam. Chegou a colônia por volta das 16:00h e lá encontrou-se com hansenianos dos estados do Pará, Maranhão e Amapá. Julgo que a frase dita por uma interna da colônia traduz a singularidade de tal encontro “valeu sofrer tanto, para viver este dia de alegria”.

Da colônia de Marituba seguiu em carro aberto para a Av. 1º de Dezembro onde celebraria a santa missa. No caminho foi saudado por milhares de pessoas que gritavam em um só coro “Viva o Papa”, e ao chegar no local da missa outras milhares o esperavam.

A Missa


Dom Alberto Ramos desde o início deixou claro que queria uma missa simples, com cantos populares em vista de proporcionar uma participação mais ativa das pessoas. De fato isto aconteceu, sua santidade oficiou sozinho a santa missa que começou às 18:00h, não havendo assim concelebração, comungaram das mãos do Papa apenas algumas crianças pobres que viviam em internatos. O altar foi confeccionado em cedro vermelho e ostentava o brasão do papa, do mesmo modo que a cátedra doada pela diocese de Ponta de Pedras,

O cálice usado tinha sido sagrado pelo Papa Pio X a pedido de Dom Francisco do Rego Maia no dia 13 de Novembro de 1905, e era o mesmo utilizado pelo legado pontifício na abertura e encerramento do VI CEN realizado em Belém no ano de 1953.

Catedral

Depois da santa missa, o papa seguiu em carro fechado para a Catedral, passando no trajeto em frente à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré e sendo saudado por milhares de pessoas. Na catedral encontrou-se com parte do clero, religiosas e benfeitores da Arquidiocese, ao término deste encontro seguiu a pé para o Palácio Episcopal saudando no caminho todos a quem pode fazê-lo, adentrou neste às 20:30h.

No Palácio Episcopal

Sua última aparição pública neste dia guardado na memória de todos os paraenses deu-se em uma das janelas do Arcebispado, janelas estas ricas em acontecimentos importantes como quando Dom Romualdo de Sousa Coelho já com significativa idade falou aos cabanos para que se refugiassem na floresta e não incendiassem Belém. A exemplo disto outra janela era marcada com um acontecimento único, o papa lá aparecia para saudar o povo que se encontrava na praça Dom Frei Caetano Brandão. Após isto jantou com todos os bispos do Pará, comendo peixe e contemplando o tradicional pato no tucupi.

Desde bem cedo do dia 9 de Julho de 1980 começaram a acorrer para a praça em frente ao arcebispado uma significativa quantidade de pessoas em vista de verem o papa, e todas gritavam a um só coro “Queremos ver o Papa, queremos ver o papa”. Vendo a quantidade de pessoas, o papa mandou buscar a imagem original de Nossa Senhora de Nazaré, para que com ela pudesse abençoar o povo que na praça se espremia, durante a espera pela chegada da imagem, tomou café servindo-se de ovos, bacon e de “bolo de 7 rosas” que era típico de sua região na Polônia. Após o café apareceu novamente na janela e abençoou o povo com a imagem que mandara buscar.

Por fim, o ultimo compromisso que era restrito ao clero deu-se no Salão nobre do Arcebispado, o mesmo onde no passado, mais precisamente no dia 28 de abril de 1874 Dom Antônio Macêdo Costa foi aprisionado pelo governo imperial por defender a Igreja e sua primazia.

Despedida

O papa seguiu de ônibus para o aeroporto, passando pelas avenidas Padre Eutíquio, Serzedelo Correa, Gentil Bittencourt, José Bonifácio e Almirante Barroso, sendo no trajeto saudado por milhares de pessoas que o aguardavam a beira das ruas.

Ao chegar no aeroporto cumpriu o protocolo de despedida, e despediu-se por ultimo de Dom Alberto Ramos, que comovido agradeceu ao santo Padre este grande presente de nos ter visitado. Então precisamente às 7:30h partiu com destino a Fortaleza para celebrar a abertura do X CEN.

Algumas fotos deste momento único:



















Santa Missa (Av. 1º de Dezembro [atual João Paulo II] com Mauriti)


Referências Bibliográficas:

RAMOS, Alberto Gaudêncio. Quatro dias com o Papa. Belém: Editora Falangola, 1980.
______,_____________. Cronologia Eclesiastica do Pará. Belém: Editora Falangola, 1985.
RAMOS, José Pereira. Dom Alberto pastor da amazônia. Belém: Imprensa Oficial do Estado do Pará, 2006.
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Dom Macêdo Costa bispo do Pará. Rio de Janeiro: Cruzada da Boa Imprensa, 1939.

* Coordenador dos Servidores da Região Episcopal Sant'Ana e da Paróquia da Santíssima Trindade, graduando em História pela Universidade Federal do Pará, bolsista do Centro de Memória da Amazônia.

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