quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Um Pouco da História de Nossa Arquidiocese - Paróquia da SS. Trindade I


Foi o Capitão General Governador do Estado do Grão Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado quem solicitou ao Ministério Real, através do Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo - seu irmão, que viria a ser, mais tarde, o poderoso Marquês de Pombal o envio de famílias e homens solteiros para povoarem a Vila de Sousa do Caeté, já denominada de Bragança, em dezembro de 1753. A migração só começou em 1755 e em 1759, proveniente da Angra do Heroísmo de uma das ilhas do arquipélago dos Açores, chega a Belém José Antônio Abranches, angrense com 16 anos, acompanhado de três irmãos menores: Joaquim José, 14; José João, 12 e João António, 10, órfãos de pai e mãe. José António Abranches chegou no mesmo ano em que daqui partia o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado que concedera a Abranches a mercê de ficar em Belém para trabalhar na lavoura. Católico fervoroso, José António e seus irmãos eram devotos da Santíssima Trindade. O Senado da Câmara, sob a presidência de Feliciano Ramos Nobre Mourão e os vereadores João Luís Francisco Barbosa, Felicíano Ferrão e Peres da Silva, concederam aos irmãos Abranches o uso das terras situadas antes e aquém do Lago do Piry. Aos 19 anos, três anos depois de fixar-se na terra, Abranches já mantinha viçosas leiras de hortaliças, uma respeitável criação de porcos da raça "Du-roc", aves (galinhas e patos), além de cultivar um respeitável pomar onde os laranjais e limoeiros começavam a produzir à farta.

Desse labor, outras pessoas começaram a aproximar-se e fazer suas casinhas e, desse modo, surgiu um novo bairro na cidade, denominado de "Aldeia". Abranches e seus irmãos começaram a comercializar o que colhiam e os grandes consumidores de seus produtos eram os barcos da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão que, torna-viagem, abasteciam-se de tudo, sendo apreciadíssimas suas laranjas e limões que, além de servirem aos tripulantes, serviam de garantia contra o "cólera morbos" e outras doenças que grassavam entre eles. Tal prática levou Abranches a acumular considerável soma em "patacas", o que lhe deu a condição de "apatacado". O início do Século XIX recrudesceu em Abranches, já com 58 anos, o desejo de construir uma Igreja em honra da Santíssima Trindade, Em 1802 pôs em andamento o seu projeto. Solicitou ao 7° Bispo do Pará, D. Manuel da Silva Carvalho, permissão para construir a Igreja. Esta lhe foi concedida, mas o Bispo adiantou-lhe que o bispado era carente de recursos, mas, que "se os recursos próprios acabarem, tens permissão para buscar espórtulas entre o povo". De posse da permissão do Bispo d. Manuel, Abranches dirigiu-se ao Paço do Conselho onde estavam reunidos os seguintes vereadores: Bento de Figueiredo Tenreiro, António Álvares Fernandes de Carvalho, Caetano Alberto Ribeiro, João de Araújo e Francisco Pereira de Cristo. Foi tão apaixonante a exposição de Abranches na presença dos vereadores que dir-se-ía tocado pela Santíssima Trindade, atingindo o clímax da emoção quando rematou: "A vida já me foge, mas antes que ela fuja por inteiro, hei de ver a Igreja de Nossa Senhora da Trindade erguida.”

O Presidente do Senado da Câmara e seus presididos concederam o que Abranches pedia e fez mais Bento de Figueiredo Tenreiro, o Presidente: concitou os vereadores a dirigirem-se, acompanhados de José António Abranches, até a presença do Capitão General Governador Francisco Maurício de Sousa Coutinho, para aprovação. O terreno cedido situava-se em um pequeno outeiro e toda a área existente ao redor da pequena elevação próxima ao Grande Lago do Piry, na mesopotâmia formada peio Lago e Igarapé da Comedia do Peixe Boi (atual Arcipreste Manoel Theodoro), pertencia à Igreja. Era o ano de 1802. Abranches atirou-se com denodo na faina de construirá Igreja. Logo, logo, o humílimo povo do bairro da Aldeia, ao ver o entusiasmo incontido de Abranches na construção do templo, juntou-se para ajudá-lo de todas as formas. Com esse apoio, Abranches fundou a Irmandade da Santíssima Trindade- "Santo Mistério de nossa religião", como diz José António. A exsicação do Grande Lago do Piry começou justamente nas proximidades da construção da Igreja, para alegria de Abranches. Esse trabalho foi ordenado pelo novo governador D. Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos Arcos.

A Irmandade da Santíssima Trindade tornou-se poderosa com a entrada das famílias endinheiradas. A festa da cumeeira, bem como a cobertura e a construção do altar. Foram emoções demais para José Antônio Abranches. No dia 4 de novembro de 1804, com 62 anos, sua vida apagou-se. A consternação foi imensa pelo fato de ter sido Abranches o instituidor da devoção à Santíssima Trindade, em Belém e no Pará. Seu corpo foi sepultado no terreno do adro da Igreja, em sua parte posterior, na altura da atual Rua dos 48. Nove anos depois, em 1813, estava concluída a Igreja, tendo apenas o altar-mor, quatro arcos nas paredes laterais indicando os lugares em que, no futuro, deveriam ser edificados mais quatro altares, sendo dois em cada lado, tudo isso graças aos esforços dos três irmãos do falecido Abranches. No ano seguinte, em junho, teve lugar a abertura e inauguração da Igreja de Nossa Senhora da Trindade. A Irmandade mandara buscar, em Lisboa, um artístico painel, óleo sobre tela, indicativo do orago da Santíssima Trindade, da lavra do famoso pintor António Leonardo, que estivera em Belém acompanhando o séqüito do Conde dos Arcos. Encomendara, também, todos os paramentos e demais objetos do culto em ouro e prata, bem como uma profusão de fogos de artifício. No dia 1° de junho de 1814, o bispo D. Manuel de Almada de Carvalho, pela manhã, benzeu o novo templo e, à noite, houve as vésperas (hora canônica que vem depois das nonas e correspondente as três da tarde) com queima de fogos de artifício noite adentro e com grande afluência popular. No dia seguinte, domingo, aconteceu a grande festa. A missa solene (laus laudemus) foi presidida pelo prelado, com grande instrumental. À noite prosseguiu o espetáculo da queima dos fogos, estando o templo aberto a todos os fiéis. A partir desse dia, a Irmandade da Santíssima Trindade mandava celebrar missa às sete horas nos domingos e dias santos. Nos sábados, à noite, era rezada a ladainha. Anualmente promovia-se a Festa da Santíssima Trindade com toda a magnificência.

Todos os anos, 20 dias antes dessa Festa, a Irmandade levando a Coroa de ouro, percorria a cidade, casa em casa, tirando esmolas para a festa. Bons tempos aqueles em que se podia sair portando uma coroa de ouro...Outra festa que marcou época em Belém, no Século XIX, era a de Nossa Senhora do Rosário do Barreiro, promovida pela Sra. Maria Simoa, devota fervorosa desde 1809 quando mandara buscar, em Lisboa, a imagem da Senhora, em fino trabalho escultural. A imagem era colocada em um oratório, em sua residência situada na Rua dos Inocentes (atual General Gurjão) esquina da Travessa São Mateus (atual Padre Eutíquio). Lá eram celebradas missas aos domingos e dias santos. A festa anual era promovida na Igreja de SantAna para onde era levada com grande acompanhamento. Maria Simoa, com recursos próprios e coadjuvada pela Irmandade, devidamente autorizada pelo bispo D. Romualdo de Souza Coelho, fez edificar em alvenaria, na parede lateral direita da Igreja de Nossa Senhora da Trindade, um altar para receber Nossa Senhora do Rosário do Barreiro. No dia 10 de abril de 1822, pronto o altar, a imagem saiu da Igreja paroquial de SantAna, levada nos braços do pároco José Joaquim Martins, paramentado de sua sobrepeliz e estola e acompanhado de 24 clérigos de sobrepeliz e com tochas acesas. A procissão saiu de Sant’Ana, às 18 horas, com grande acompanhamento e foi depositada em seu altar definitivo. Pelo menos, assim se pensava. Nessa noite na Igreja de Nossa Senhora da Trindade celebrou-se as vésperas e, no dia seguinte, realizou-se a festa em honra à nossa Senhora do Rosário do Barreiro.

A Lei Provincial número 63, de 4 de setembro de 1840, assinada pelo presidente da Província do Pará, João António de Miranda, elevou a Igreja de Nossa Senhora da Santíssima Trindade à categoria de Freguezia, tendo sua instalação sido efetivada em 12 de março de 1843, ocasião em que foi nomeado o seu primeiro vigário, o paraense Manoel Vasques da Cunha e Pinho. Este vigário dotou a sua Igreja de pia batismal em mármore de carrara, como também mandou edificar, em alvenaria, o segundo altar fronteiro ao de Nossa Senhora do Rosário do Barreiro, para si-metrisara sua igreja paroquial. Esse padre faleceu sete anos depois de sua investidura, isto em 1850, sendo substituído pelo padre, também paraense, Dionísio Rodrigues Aliança. Este sacerdote também veio a falecer depois de 11 anos prestados ao rebanho da Freguesia da Santíssima Trindade, em 1861. O terceiro pároco foi o padre baiano Manoel Ignácio da Silva Espíndola, que esteve à frente da paróquia por seis anos, sendo transferido para a Bahia pelo bispo D. Antônio de Macedo Costa, que era baiano como ele. O antístete nomeou como quarto vigário o francês Augusto João Maria Coller. A história desse padre é interessante. Foi casado e quando ficou viúvo entrou para o Seminário Diocesano que era dirigido por D. Macedo Costa. Infelizmente, ao assumir a paróquia terminou com todas as devoções e festas ali existentes. Retirou do seu altar a imagem de Nossa Senhora do Rosário do Barreiro, colocando em seu lugar uma outra imagem da Virgem Maria, para que fosse celebrado, em maio, o mês mariano instituído por d. Macedo Costa. No altar em frente entronizou a imagem de São José e o artístico painel representando a Santíssima Trindade foi retirado sumariamente. Daríamos tudo para ver como os nossos ancestrais a representavam. Nossa Senhora do Rosário e o painel foram levados para lugar incerto e não sabido.

Eis a proto-história da Igreja de Nossa Senhora da Trindade. [...] A construção original, como já vimos na matéria do historiador José Valente, iniciada sob o comando de José António Abranches, data de 1814. A edificação atual é de 1942. A história secular da Igreja da Trindade, no centro de Belém, se confunde com a história da expansão e da transformação da cidade.

* Por José Valente

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